abril 05, 2011

Igual a todos

Sei que a vida é boa.
Pelo menos a televisão faz de tudo para você pensar que a vida ideal está nela, e que haja o que houver você precisa de uma vida como aquela. Como esse tipo de vida é para poucos, me levantei e fui trabalhar.

Sai de casa, meio dormindo, bebendo um café frio em um copo estampado de requeijão.

Desci as escadas e parei dois minutos na portaria para entregar ao porteiro que estava tão satisfeito com a vida quanto eu, a chave do "apertamento". Ele me olhou com a cara de sono mais feia que eu já vi na vida e a pegou.

No ponto de ônibus, algumas pessoas impacientes com a demora do ônibus nem notaram a minha chegada. Algumas estavam com fone nos ouvidos, na esperança de dar uma trilha sonora a vida sem graça que levavam. Elas se comunicavam com as outras apenas para perguntar a hora e reclamar do motorista que era um preguiçoso e não chegava no ponto logo. Essas pessoas estavam tão satisfeitas com a vida quanto o porteiro do meu prédio.

O ônibus chegou depois de alguns minutos, e todos esqueceram a função da fila. Se empurraram para entrar, porque talvez o ônibus tenha um numero limitado de passageiros que podem embarcar, ou talvez porque elas não tem educação mesmo.
O motorista via as mesmas pessoas todos os dias, em seus ternos de liquidação e seus perfumes fortes que serviam para esconder o suor que aparecia devido ao clima estressante a que eram expostos no ambiente de trabalho. Ele sim estava feliz com a vida. Acordava umas três horas antes daquele povo todo, ia até a padaria onde comprava o pão que não era lá essas coisas, e ia trabalhar cedo, para ouvir um bando de pessoas reclamonas que se queixavam dele, como se ele fosse dono da empresa de ônibus. Estava tão feliz com a vida quanto aqueles passageiros.

Eu me dirigi ao final do ônibus, onde por um milagre havia um banco vazio. Passei pelo cobrador que dormia e sentei. Com um fone no ouvido e um livro na mão, fiquei esperando alguma senhora idosa vir me pedir o lugar com os olhos como frequentemente acontecia. E não demorou. Uma senhora entrou carregando duas sacolas e sua bolsa a tira-colo. Ela parou no corredor do ônibus e tossiu na tentativa de ser vista e assim ganhar o tão precioso lugar. Acho que naquele momento Morfeu o Deus grego do sono atirou sobre os passageiros um feitiço, pois o único que ficou acordado fui eu. "Tenho 60 e poucos anos, to cansada, trabalhei a vida inteira e quero sentar". Eu me levantei antes dela fazer esse discurso, pois a senhora pela expressão fácil estava tão contente com a vida quanto o motorista da condução.

Desci no terminal e fui até o meu trabalho.

Lá sim eu admito que as pessoas tem motivo para estarem descontentes.
O pessoal ganha mais que a maioria dos munícipes paulistas, e trabalha menos que a metade deles, mesmo assim  insistem em reclamar do salário. "É um absurdo a gente ganhar só isso". Estavam todos unidos por uma causa justa, que é.... sei lá, ganhar mais do que merecem talvez.. Quem pode descordar?  Talvez a senhora do ônibus. Eles estavam igualmente insatisfeitos.

Depois de uma hora e meia fingindo que estávamos trabalhando chegou nossa chefe.
Mulher nova, fazendo pôs graduação, com salário bom e estabilidade. Poderia viver nessa situação durante sua vida inteira,que seria considerada bem sucedida. Mas ela não estava sorrindo. Estava hiper-triste porque seu trabalho estava exigindo demais dela, seu noivo não ajudava com as despesas de casa e seu cachorro não conseguia fazer coco no lugar certo. Essa sim estava com problemas. E eu reclamando da vida a toa, vê se pode.

No fim do dia a faculdade.

A faculdade!!
Lá sim é um lugar onde eu vejo as pessoas bem felizes, todos conversando e dizendo que o céu é azul, e que a vida é linda. Todos querendo ser os atores de Malhação talvez.
Lá é o lugar de mentir e ver a vida da melhor forma.
Para no outro dia, ver as mesmas caras emburradas e torcer para que o tédio não nos mate...

Esta é a vida sóbria
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Um comentário:

  1. Uau!Passou um filme na minha mente, vi toda a vida desse "héroi" urbano. Cara,adoro certos sarcasmos. Pefeito!

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