abril 12, 2011

A janela do outro.


Eu não passava muito tempo com ele.
Não era porque eu não gostava, mas porque realmente não tinhamos muito assunto.
Nosso relacionamento era muito superficial.

Nunca vou me esquecer do dia em que ele quis me levar para pescar.

Acho que foi a única vez que ele me chamou para alguma coisa que não fosse por obrigação.
Eu vi em sua face um sorriso juvenil que eu nunca tinha notado. Se fosse em outra época com certeza eu recusaria, mas como eu queria muito me aproximar dele, eu topei.

Estava tudo combinado, e sábado íamos levantar cedo, pegar a mochila que já deveria estar pronta e sair.
Minha mãe não ia. Melhor ainda, eu teria um tempo a sós com meu pai.

Sexta feira fui me deitar um tanto ansioso. Eu ia passar um sábado inteiro pescando, coisa que eu sinceramente não vejo a menor graça, mas era por uma boa causa. Minha namorada não ia deixar de gostar de mim por causa de um sábado que não ficássemos juntos.

Tive a impressão de que nem cheguei a dormir, e meu pai já estava no pés da minha cama resmungando:

- Já são 5:20. Eu tinha certeza que você ia se atrasar. Se não quiser ir não tem problema! Não faça nada por obrigação.

Eu mal consegui identificar o que ele dizia, pois minha cabeça estava pesada e minha visão embaçada. Levantei sem dizer nada a ele e fui me arrumar.

Ele não esperou que eu comesse, já estava dentro da Brasília antiga, com aquela expressão séria que tanto me irritava. Entrei no carro comendo uma maçã, afivelei o cinto e nós partimos.

Os planos de me aproximar do Sr. Rabugento estavam indo mal.

Ele dirigiu sem ao menos me lançar um olhar durante todo o caminho.
Chegando a estrada de terra que levaria ao pesqueiro eu arrisquei um comentário:

- Aquele rio é bonito, deve ser bom de pescar.
- Aquele rio é poluído, fedorento e não tem peixes.

Eu não conseguia dizer mais nada.
Como alguém poderia ser tão injusto? Aquele rio era perfeito. Não sou um Expert na arte de pescar, mas só falei para ser legal.

Nós paramos em um lugar tranquilo e fomos pescar. O silêncio entre nós era constrangedor, e eu nem se quer vi como se pesca. Minha mente estava em outro lugar.
Voltamos para casa em sem nos olhar muito, e o som que tocava era o de um CD de rock antigo que eu detestava. Nem isso serviu como assunto.

Nunca vou me esquecer desse dia.

Meu pai faleceu alguns meses após esse fato.

Eu sentia muita culpa, porque achava que eu não tinha sido o filho que ele imaginava. Minha mãe me mostrou as fotos de quando eu era um bebê, e o sorriso no rosto dele era impagável. Eu conseguia ver a alegria ao me segurar. Mas conforme o tempo foi passando me parece que ele foi se afastando, talvez se decepcionando. Eu nunca o intendi.

Hoje tenho o meu filho.

Procuro entende-lo. Ele é meio rebelde, passa a maior parte do tempo sozinho em seu quarto.
Eu tento me aproximar, mas ele não compartilha em nada o meu gosto pelas coisas.

Chamei o para pescar.

Naquele mesmo lugar onde um dia fui com meu pai.

Ele para minha surpresa, aceitou. Fiquei muito feliz. Era a primeira vez que ele topava fazer alguma coisa comigo sem ser obrigado.
Combinamos de sair bem cedo no outro dia.

Ele não parecia muito interessado na pescaria, pois ficou no computador até tarde.

Fiquei na cama sem conseguir dormir por um tempo, e acordei antes do despertador de tamanha ansiedade. Esperava ver meu filho já na cozinha se arrumando, mas ele ainda estava dormindo. Fui até lá já na intenção de cancelar o passeio. "Não adianta fazer as coisas obrigadas, deve ir se realmente quiser."
Ele me olhou com cara de sono e foi para o banheiro batendo a porta.

Droga!
Começamos mal.

Entrei no carro e o aguardei.
Ele chegou com a cara amassada de sono e entrou comendo uma fruta na clara intenção de me irritar, pois sabe perfeitamente que eu não gosto de coma dentro do carro. "Vou ficar calmo!"

Nós partimos.
A viagem estava bem tranquila, e eu não parava de pensar em como eu ia dizer ao meu filho que eu nunca tinha pescado e que não ia conseguir ensina-lo. Eu estava começando a ficar tenso, a única vez que meu filho saia para aprender algo comigo, e eu não seria capaz de ensina-lo.

- Aquele rio é bonito, deve ser bom para pescar - disse ele.

Eu olhei pela pela janela espantado, porque enxerguei um rio sujo, com lixo boiando e sem nenhuma pessoa por perto. Será que ele estava sendo irônico comigo? Não! Lembrei me da cena de anos atrás. Logo percebi a que rio meu pai tinha se referido quando disse aquela frase que tanto me magoou. Agora via a vida da janela em que meu pai viu. Meus olhos encheram-se de lágrimas ao me lembrar daquele dia. Olhei pela janela do meu filho e disse:

- Realmente filho esse rio é muito bonito, podemos parar aqui.

Nós descemos do carro e mesmo sem saber muito o que fazer nós pescamos até que veio uma forte chuva, o que arrancou de nós algumas risadas e com isso selou o nosso encontro que até hoje eu guardo dentro do peito com muito carinho. Como eu gostaria que tivesse sido assim entre eu e meu velho...

Só hoje vejo as coisas como ele via. Tinha seu jeito esquisito de se comportar as vezes, mas nunca deixou de me dar amor, só que da sua maneira.


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Baseado no relato de uma garota em tratamento psicologico. Ela aprendeu uma lição e nos ensinou outra...

Um comentário:

  1. Essa história de querer entender o comportamento das pessoas, é mais para quem é psicologo neh!
    Mas, o mundo real só entende o outro depois que já é tarde, por isso,todo relacionamento familiar ou seja lá qual for está sempre por um fio.
    Amei o texto, me deu ate saudades do meu pai!

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